quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Aline (O Caderno dos 80 Temas - Kath)

- Parte I -

Era uma vez, numa torre alta que rompia as nuvens, uma princesa de nome Aline. Ela era diferente das donzelas restantes daquele reino remoto – não trajava qualquer vestido, mas uma roupa pouco típica da época deste conto: jeans, uma camisa e ténis práticos. Na sua expressão podia ler-se o mau humor de viver enclausurada num quarto sem portas, e à sua volta via-se como já expressara o permanente estado de espírito através dos pratos e copos partidos, o dossel da cama rasgado e uma desarrumação que meteria respeito à criança mais rebelde. Porém, por entre tudo aquilo, um espelho alto mantinha-se intacto. Atípico, pensam alguns, que imaginariam que aquela seria a primeira relíquia a ser estilhaçada por entre os ataques de fúria que consumiam a princesa mais vezes do que o recomendável. Mas vou contar-vos um segredo: nem o golpe de um ogre seria capaz de quebrar o espelho, e esta não é a sua única particularidade. Quem se aproximar o suficiente para espreitar por ele, não verá o próprio reflexo. Mas não se assustem, não foram transformados em vampiros sem darem conta. A verdade é que, por entre todas as paredes unas, aquela é uma das únicas formas de se entrar na torre. Quem quisesse sair teria de usar a janela, e não era recomendável fazê-lo porque a aterragem não estaria munida de simpatia.

É então este o cenário que temos dentro da torre da princesa Aline. Sei de antemão que se estão a perguntar quando virá o príncipe para a salvar. Digo-vos, ele aproxima-se celeremente, montado num corcel da mais pura brancura. Do cimo da torre, a donzela escutava-o e preparou-se. Pegou na besta, já montada ao seu lado, e aproximou-se da janela. Ela achava que deveria ser mais algum tarado a pedir-lhe para lançar o cabelo. O seu cabelo era castanho e dava-lhe pelos ombros, estava longe de ter aparência de Rapunzel.

Ninguém gritou por si, para que espreitasse, no entanto deixara de escutar o galope, o que significava que o cavaleiro tinha parado. De súbito, ele apareceu à janela e Aline deu um salto, disparando o virote que falhou o alvo, cravando-se numa das falhas entre as pedras da parede.

– Hey, Hey! Por favor, princesa, venho em paz! – Disse ele de imediato, não fosse ela voltar a disparar. Mas ela não voltou.

– Amadis, és tu? – Mirava-o, incrédula. – E que roupas são essas?

Ele olhou para si mesmo, depois de ter descido do parapeito da janela. Tinha toda uma indumentária principesca, mas o que mais se realçava à vista era a capa lilás.

– São roupas normais, minha princesa. Como sabeis o meu nome? – Retribuiu o olhar. – Nunca vos tinha visto antes, e vós nunca me haveis visto. Sonhasteis comigo?

Aline franziu as sobrancelhas, desconfiada.

– Eu não gosto que gozem com a minha cara, Amadis, por isso acaba com as parvoíces…

Ele abanou a cabeça, sem compreender o que ela estava para ali a dizer. Começou a ponderar na hipótese de aquela princesa ter enlouquecido por todo o tempo que ali ficara fechada.

– Vim salvar-vos do vosso cárcere, bela donzela – declarou, abrindo os braços. – Vinde comigo e levar-vos-ei de regresso ao reino onde pertenceis.

Ela ponderou por um pouco, mas nunca considerando agarrar-se a ele.

– Tu não me conheces, dizes. És deste mundo, então. E vieste salvar-me só porque sim? Não queres nada em troca, como casar-te comigo porque pensas que sou filha de um rei qualquer?

– Não estou interessado em riquezas, se é o que pensais. Nem a desposarei, se não for essa a vossa vontade – afirmou, com toda a dignidade. – Estou somente aqui para salvar a bela princesa.

– Eu não sou princesa – declarou, pousando a besta e tirando do bolso uns pequenos binóculos. Aproximou-se da beira da janela e espreitou lá para baixo. – Amadis, aquilo é um unicórnio?

– Não… não sois? – Perguntou, com uma ignorância inocente de quem nunca imaginara tal coisa. – Sois o quê, então? Uma bruxa disfarçada que me quis capturar?

Aline lançou-lhe um olhar de soslaio, algo ameaçador.

– Chamo-me Aline e sou caçadora de vampiros.

O príncipe só não empalideceu porque, na verdade, já era imensamente pálido. Mas felizmente não brilhava ao Sol.

– Então… foi tudo preparado para me capturar e matar? Foi isso? – Amadis recuou um passo. – Que jogo vil e cruel. Subi a esta torre para vos salvar e recebo uma estaca no coração! Aquele virote estava embrenhado em água benta, não estava?!

A suposta princesa semicerrou os olhos, revelando a sua tão típica falta de paciência para aturar conversas daquele género.

Continua...


16 - Aline

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