quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Último de seu dia

@2012 Stephanie Pui-Mun Law



Último de seu dia,
Conquanto seja imensidão.
Passa o que tem a passar, passado
O Futuro foi o que poderá ser, não será
O que não poderá deter no tempo.

Foge e pára, reflecte quanto de si passará,
Parcela, fragmento ínfimo, nada,
Que parte será antiga no renovar?
Reflecte, tenta, mas resolve não decidir;
Isso haverá o Tempo de ditar.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Sopra Segredos



Sopra segredos na sua forma de falar
E tem cerrado sotaque de abismo profundo,
Roufenho o tom embebido no afogar,
Conta quanto conquistou do mundo,
E quanto é mistério no seu marulhar.
Quem o ouve, sente… quem lhe fala
É marinheiro afundado nos confins do mar.


Clearing Up—Coast of Sicily, by Andreas Achenbach (1847)

sábado, 19 de dezembro de 2015

Há no Vento Nomes que Inspiram




Há no vento nomes que inspiram,
Não vivos – limbo –, não mortos.
Nuances de imortal que vacilam,
De consciência em consciência,
Constantes de tempo, inconstantes
De pensamento.


sábado, 21 de novembro de 2015

Verte-se a Lágrima


Verte-se a lágrima. É hipócrita,
Tingida de dor que é só lençol de linho escuro,
Sujo do que é sentir e não sentir, do fingir
Sem a percepção do acto dramático; e encena-se
Uma peça de vida, uma cena de morte.
O palco corrói-se no lamento
Que não o é, que não o foi…
Mas sê-lo-á? Quando a cortina arder
  
E o palco findar.


Musical Fête, Giovanni Pannini (1747)




quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Há Tempo que não é Tempo



Há tempo que não é tempo,
Mas eternidade.
Eterna a espera contínua,
Longa, tão longa. O horizonte
É o tudo do infinito onde aguardas
O tempo que chega no nunca de si mesmo.
Chegará? Quiçá não.
No eterno longínquo do Tempo,
Será a infinda espera um tempo vão?


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Inspiro a Vida que s'esvai


©2013 Stephanie Law - Labyrinthine - Spring




Inspiro a vida que s’esvai, sangue,
Nos detritos que os braços do vento
Toma para si.

Num sussurro, ele suspira os gritos,
E o perfume do seu íntimo
É mescla de medo e dor.

Esse vento vem, esse vento vai.
No incorpóreo da memória
Sedimentam escombros d’eternidade.

Enterra-se e esqueces
O longo passado do que é História;
Para quê lembrar?

O tempo torna-se esquecimento,
Até o Tudo ser olvido
E o vento soprar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Voo e trespasso o Céu


Voo e trespasso o céu,
Enquanto o Sol se pinta d’encanto,
E a nuvem branca é sombra
Na campina do alto-mar.

Inspiro e inundo-me da maresia
Que saboreia a pele do marinheiro;
É vaga que prova os limites do mundo
Sem mesmo lhes tocar.

Voo entre os braços que se erguem,
Escuma e salpicos de corpo líquido.
E perco-me além-horizonte, só,
Na companhia do mar.

sábado, 24 de outubro de 2015

Entranha-se


Entranha-se
O bocejo de ser vivo.
Contemplo o viver,
Enfado-me de ser
Partícula
Ao olhar do mundo,
E suponho o irreal
Do sonho.


Listen to my Sweet Pipings, J. W. Waterhouse (1911)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

No Ruído Intenso


Magoa-me
No íntimo da percepção
O ruído intenso.
Assim é silêncio
O estrépito de não te ouvir.
Gritas, sussurras, e é como se cantasses
Muda.

Porém, olho-te.
Sorris e é como se falasses
Com um trejeito ao mundo,
Tão alto, que enquanto
As tuas palavras são silêncio,
O teu silêncio fala,
Terno.


@2013 Stephanie Pui-Mun Law

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Não existe Aurora



Não existe aurora
Que adormeça ao nascer.

Se existir, cego será
Aquele que o possa ver,
E não verá;

Visão tomada pelo Ser,
Em cujo eterno poder
Se banha a faca de cegar
E o ocaso de perecer.


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Chora, Nuvem de Tempo


Chora, Nuvem de Tempo.
Há tinta nas lágrimas que são
Corpo e espírito e pensar,
Unguento de criação,
Na tela de pintar.

Vertidas no corpo vazio,
São negro decomposto,
Tons mil de Horizonte vasto,
São o suposto
E o supor nefasto.

Pintam sem pincel ou guia,
Incertas são certeza
Que é somente instinto,
Alento, senão tristeza,
Sentimentos. Sinto…

Sensações, que fui pintada,
Em aguarelas de chorar,
Corro pelo Horizonte,
Corro para a alcançar
E tocar a Fonte.

De existência padece o mundo,
Maleita onde a cor pintada
Se esvai, e o sentimento
Retorna pela estrada
À Nuvem de Tempo.

Persigo a lágrima, desespero!
E corro… corro pela tela,
Atrás de mim ele é tanto,
Vazio espreitando à janela
Que me consome o pranto!

Antes da derradeira perda,
Tomo-a de súbito num abraço.
Será minha lágrima contida,
Semente e rebento no vazio baço
De que se pinta a vida.

sábado, 11 de julho de 2015

Num sussurro há quem nada diga



The Crystal Ball [with the skull], J. W. Waterhouse (1902)
Num sussurro há quem nada diga,
Há quem sussurre fadiga,
Do mais inato da palavra.
Há quem rumine a’marga vida,
Que nesse resmungo há quem diga
Que é tão só mentira,
O que há a falar.

E ele paira, persegue a’udição. Sussurro,
O que há em ti de impuro,
E quanto de ti é verdade?
Conheces a palavra embuste, escuro
Intento que é objecto e conjuro,
Porém segredo não dito
Que há a contar.

Quiçá confissão, ou então declamar
De um verso sentido do enamorar
Tímido e confuso.
Quiçá sussurro não dito, que há sussurrar
Que é baixo, tão baixo no seu falar,
Que a palavra se extingue,
No que há a pensar.

domingo, 5 de julho de 2015

Há dias em que a chuva fria...



Há dias em que a chuva fria
É leda no seu cair,
Melodia de água e sabor
De verde campo por florir.
O perfume é tal odor,
Que é real e imaginação,
Fresco o toque que escorre,
Lágrimas, inúmeras, em união
No ser inato de rio e mar,
Nascente que é ciclo e aluvião,
Com fim e início no céu explorado
E no que há por explorar.


domingo, 28 de junho de 2015

Falais do Tempo


Falais do Tempo, mas o Tempo
Não é o que é, humano.
É trilho que doma o Espaço,
Pano de fundo, pai do Futuro,
Mentira, subterfúgio, impuro,
Relativo, reactivo, real
E imaginário.

É rei de reinos além existência,
Dos paralelos e dos que se cruzam,
Diagonais e perpendiculares,
Mundos mutáveis, estáticos, eternos,
No recuar e no avançar,
E na ponte, entre ambos,
Onde ele pára, a ponderar.


Soft Watch at the Moment of First Explosion, Salvador Dali (1954)


sábado, 20 de junho de 2015

Do Lento ao Vagaroso vai uma Palavra



Do lento ao vagaroso vai uma palavra
Atenuada, tão ténue,
Que na inspiração é cadente.
Arrasta-se na compreensão,
Oh, tão devagar,
Que me abranda o coração,
Monotonia de pálpebra fechada,
Que adormeço ao sentir da palavra.


sexta-feira, 19 de junho de 2015

Nem tudo é, nem tudo foi



Nem tudo é, nem tudo foi,
Na aparência do que se dilui.
Porém, o que será, será?
O que não é terá sido,
Sem o conseguir indagar?
O enigma é tido no que não vês,
No que não ouves ou sentes. Será
Que na não existência existirá
O que já existiu?


Diary of Discoveries, Vladimir Kush

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Dá-me o Som do Sorriso



Dá-me o som do sorriso,
Aquele que ouves sem ouvir,
Voz de utopia se sincero,
Grito se de tristeza for
De canto a canto repleto,
Choro e soluço no arco trémulo
Que ameaça inverter.

Dá-me as suas palavras mudas,
As tuas, para interpretar
O gesto, o sentido. Desminto
O que há por sentir
E o que foi sentido
No trejeito invertido
Do teu sorrir.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

O Campo é Prenhe de Pensamentos



O campo é prenhe de pensamentos,
Do vasto ao ínfimo,
Significância íntima ou de ninguém.
Pensares áureos qual brisa
Que eleva e redemoinha o pó,
Com ele escrevendo no ar,
Esse seu pensar.

E eles conversam,
Pensar com pensamento,
O ramalhar e o vento,
Em canção de folha-a-folha recortada,
Conversam com a forma pensada
Da ave, do insecto…
Oh, muito pensa o grilo, por certo!

A vida corre e evolve,
Pensando mistérios.


A Rest on the Ride, by Albert Bierstadt (1863)

terça-feira, 16 de junho de 2015

Há Chuva nos teus Olhos

©Stephanie Pui-Mun Law, 2004-2010.


Há chuva nos teus olhos,
Quente, tão quente, que queima ao olhar.
O sal contido é resquício de mar,
Oceano ao abandono, coração perdido…
Oh, a dor desseca-se na pele,
Estala e sangra, e o seu perfume é maresia
Arrancada às escamas, deitada à areia.
Morres na praia, voz do profundo,
Tão somente cantar de defunto,
Sereia.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

O Vento é Sopro de Sonho e Coração



O vento é sopro de sonho e coração,
Rima transversa trocada pelo tempo,
Com permeio de ilusão.
É toque áspero onde há
Da suavidade essência e grito
De fada ou canto, unos,
Sopro de morte e folgo de vida,
Música de mim.


©2015 Stephanie Pui-Mun Law

domingo, 14 de junho de 2015

Venha o dia em que o Sol se pinte



Venha o dia em que Sol se pinte
De azul álgido,
Tomado pela ausência de um toque
Invisível, inato,
Crença ou olhar. Olvidas
O raiar que doce aquece ao toque
Peregrino; pobre e frio,
Cadente, o espírito do Sol
Divino.


terça-feira, 24 de março de 2015

O que é a Liberdade?



O que é a Liberdade?
Pitada de verdade,
Um anseio de justiça,
Anarquia d’expressão,
Ofensa e maldade,
Que pode ser prisão
Essa tal de Liberdade
E a sua ilusão.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Ontem acabou o Mundo



Ontem acabou o Mundo.
Ficou da vida a história
Da consciência lancetada,
Perdida, escória
E lixo de faminto fedor,
Que era visto o horror
Mas quem via era cego,
Não senciente à dor.

Hoje são pútridos
Os restos de actos e palavras,
Chagas desamparadas,
Que delas fugiu a cura.
Na pustulenta, infecta memória,
É veneno genocida
O que conta, contraditória,
A lembrança ida.

Amanhã será pó
Sem fértil medida,
Nada, conteúdo vazio
Vindo do sem vida.
No esquecimento,
Que nada o lembrará,
Será mundo ao vento,
E o vento o levará…

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Sortilégio, Feitiço e Magia



De espada em punho, armado,
Cavalga de coragem desfraldada.
De trilho em trilho, negro bosque,
Busca célere por sua amada,
Bela dama, donzela doce,
Dos seus braços apartada.

Chama-o a que é encantada,
Sortilégio, feitiço e magia que a prendeu,
Voz de melodia e rosnar… nada,
Que o trilho é finito na estrada,
Tão finito que se perdeu
Junto à cabana incendiada.

Abandona o corcel; é pranto
Que lhe consome o peito a arder.
É força efémera, no entanto,
A flor que renasce do perecer,
Cinza que incendeia, Fénix que ateia
Imortal esperança de a reaver.

“Cavaleiro de coragem viva
E bondade audaz” disse a flor,
Falando sobre a brisa que a envolvia,
Queimando a sua vida com o calor
Que o incêndio deixara na terra,
Tanto que a matava de dor.

“Sou a voz e o silêncio do Bosque,
Escuta-me e atenta:
Além há uma besta que sente,
Ferida no peito, tão doente.
Cura-a, mas sabe, então,
Que tem da tua dama o coração”.

De fragilidade esvaiu-se a flor,
Sem lhe dar tempo de a questionar,
Mas se terrível besta roubara de seu amor
O coração a palpitar,
Não lhe tinha qualquer favor,
Somente a vida para lhe tirar.

Caminhou bosque a dentro,
Passos pesados a esmagar
Gravetos, pedras, pequenas vidas,
Com somente raiva a trovejar,
Até à clareira onde jazia
A terrível besta a matar.

Era gigante e imenso,
Dragão ancião, Senhor do Ar,
De cujas escamas o brilho denso
Lembrava o das lâminas e do mar,
Onde mais do que tenso
Era o seu respirar.

Aproximou-se, empunhando a frieza,
E de dedos crispados na morte.
Passo ante passo, que era certeza,
Que o dragão teria nenhuma Sorte.
Roubara-a o futuro quando lhe tirara
Dos braços a sua terna consorte.

Contudo o espanto roubou-lhe o ar,
Ao chegar-se mais perto
Para o dragão poder espreitar.
Tremendo de medo, de certo,
Ali estava frágil, tão frágil, a donzela
Que morta acabara de julgar.

Recolheu-a, sem a besta acordar,
E tomou-a nos braços.
As lágrimas eram pérolas a rodar
No rosto ebúrneo e os cabelos baços
Emolduravam o desesperar
Que contorcia tão belos traços.

“Mata-o” sussurrou contra o seu ombro
Os soluços embargando-lhe a voz,
O corpo estremecendo de assombro.
“Mato-o, antes que mate cada um de nós,
Queimando-nos até sermos cinza
Com o calor que incendeia, fogo atroz”.

Não havia como discordar.
Apartou-a dos seus braços e afastou
Sua presença para a resguardar.
Foi quando o dragão despertou,
De orbes fendidos, azul profundo de lago,
Onde a sua alma foi mergulhar.

O corpo flutuou na corrente
Que era a memória daquele olhar.
Uma canção embalava-lhe a mente,
Sem palavras vãs, só o seu tocar
Tão íntimo de quem sente
Que há algo mais a recordar.

“É um feitiço, mata-a!” gritou a voz,
E ele despertou.
Fechou os olhos e a espada atroz
Caiu, cortou e roubou
O que era o antes, o agora e o após,
E a canção terminou.

Atrás de si ela riu,
Uma gargalhada que cresceu,
Dominou os bosques e fugiu
Com a sua dona que se perdeu
No covil de quem agiu
Em maldade e venceu.

Desvaneceu-se aos poucos,
Sortilégio, feitiço e magia… ilusão.
Só uma dama frágil, de cabelos soltos
Havia ali, e não um dragão.
Cego, tão cego, ao azul daquele olhar
Que reconhecera em vão.

Caiu junto dela e abraçou
O corpo que vertia o rio da vida.
Caiu e não mais a libertou,
Que era de eterna despedida,
Um abraço onde também ele deixou
Partir a própria vida.


St. George Slaying the Dragon, Hans von Aachen

Originalmente publicado em Fantasy & Co. 

sábado, 3 de janeiro de 2015

Treme entre os alicerces do que é



Treme entre os alicerces do que é
Hoje o contraforte do Homem,
Treme e expira a vida que é fé
A consumir o que consomem,
Quanto do que não é seu
E tudo o que é teu.

Treme e arranca-lhes as raízes
De ferro, que te magoa
A audácia da cobiça. Predizes
A queda da falsa ave que voa,
Sob a terra, sob o mar,
Vida tua que irás tomar.

Não contas o tempo, anos e Eras
São suspiros dos que vão.
Esses incontáveis, almas meras
Mas tão cerne de coração.
Treme e toma tudo, és Natura, Mãe e Pai
Daquilo que é e do que se esvai.


Sismo de Lisboa de 1755, artista desconhecido